ENTREVISTA | Talvez este não seja o meu ano: uma entrevista com Jules de Faria, fundadora do Think Olga, sobre sua estreia na literatura

Por Ana Ferrari

cassandra
revistacassandra

--

Em Talvez este não seja o meu ano, Jules de Faria, explora a ressignificação de um mundo enredado em máscaras sociais, abordando a dualidade entre a realidade concreta, repleta de expectativas impostas, e o universo dos sonhos e da sensibilidade. Com uma escrita fluida e visceral, os 23 poemas do livro destacam-se por sua leveza, tocando em temas como o luto, falhas, saúde mental, perda e retomada dos sonhos, ansiedade diante de redes sociais e a busca pela autenticidade.

Jules de Faria, renomada jornalista, escritora e fundadora do influente Think Olga, revela seu coração aberto por meio desses versos. Enfrentando a desesperança da pandemia e desafios pessoais, ela utiliza a poesia como um processo curativo, compartilhando não apenas suas próprias lutas, mas também desafiando os leitores a refletirem sobre suas máscaras sociais. Talvez este não seja o meu ano é mais do que um livro de poesia; é um convite à busca da essência e à libertação das expectativas impostas pela sociedade.

ANA FERRARI: O que motivou a escrita do livro? Como foi o processo de escrita?

JULES DE FARIA: O que me impulsionou a escrever este livro foi uma jornada de transformação que começou em 2020, um ano que, para muitos de nós, parecia ter perdido o seu rumo. Enfrentando os desafios de uma pandemia e um cenário político violento, fui profundamente afetada por uma perda gestacional avançada que abalou o meu mundo. Esse momento de dor e reflexão me levou a questionar minha própria jornada, minhas prioridades e as escolhas que havia feito até então.

Uma das decisões mais difíceis que tomei foi sair das organizações que fundei e co-fundei respectivamente, Think Olga e Think Eva, nas quais havia investido tanto tempo e paixão. Percebi que havia perdido a espontaneidade, longe da essência que me inspirou a começar essa jornada, baseado na criatividade e imaginação.

Além disso, enfrentei perdas concretas, bem como a partida da minha amada avó.

Tudo isso me levou a viver na sombra daquela famosa frase: ‘o velho mundo agoniza, um novo mundo tarda a nascer, e, nesse claro-escuro, irrompem os monstros’. E o que quero dizer com monstros aqui é sobre perceber que as pessoas não entendem nossos novos sonhos. Pelo contrário: tentam tirá-los de nós. Havia uma perda de perspectiva, algo subjetivo e difícil de explicar, que me consumia.

No entanto, o processo de escrita do meu livro se revelou como um fluxo contínuo e surpreendentemente fluido. No início do semestre passado, fui tomada por um momento de criatividade intensa, escrevendo poesias nas madrugadas. Não conseguia entender exatamente de onde essa inspiração vinha, mas meus dedos dançavam furiosamente sobre o teclado, trazendo à vida as palavras que estavam dentro de mim. As lembranças dessas noites são como uma névoa, mas elas são o alicerce de tudo o que este livro representa.

Aqui está ele agora, ganhando forma física, uma jornada que parte da sensação de decepção e resignação perante realidades entediantes e evolui para uma reformulação dos meus sonhos, à espera de um novo mundo. Existe, de fato, algo mágico em um ano que parece errado, quando esse ano cai nas mãos da pessoa certa. Este livro é a minha contribuição para essa magia, um testemunho de reinvenção e esperança.

AF: Quais são as suas principais influências literárias? Algum livro teve influência direta na obra?

JF: Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Rupi Kaur, Paulo Leminski, Pablo Neruda, Octavia Butler, Louise Gluck, Maya Angelou. O que mais influenciou foi Libertinagem, de Manuel Bandeira. Pelo coloquialismo, a simplicidade, por “ser uma poeta menor”…

AF: Você escreve desde quando? Como começou a escrever?

JF: Desde sempre vale como resposta? Me lembro de receber nota 10 e um elogio da professora de português, na pré-adolescência, ao escrever um poema sobre um soldado que se suicida para evitar continuar na Guerra. Segui para o jornalismo, pois entendia que a escrita era a minha ferramenta de ter impacto positivo no mundo. Nunca me senti confortável em criar outras artes, apesar de querer. Já tentei bordar, pintar, desenhar, colar.

E só me sinto bem, talentosa e completa quando eu escrevo.

AF: Como você definiria seu estilo de escrita? Qual seu processo?

JF: Pessoal, reflexivo, íntimo, mas acessível. Gosto de ser acessível, simples.

O processo é fluido e com momentos de grande intensidade. Busco inspiração de eventos e experiências pessoais. Minha jornada também é marcada por autenticidade e sinceridade para comigo mesma. Também utilizo a escrita como uma ferramenta para entender melhor a mim mesmA, suas experiências e seus sentimentos.

AF: Você tem algum ritual de preparação para a escrita? Tem alguma meta diária de escrita?

JF: Eu sou mãe de dois meninos, um de 5 anos e outro de 2 anos. Moro em uma cidade sem familiar nenhum e rede de apoio restrita. Minha forma de produzir é fisgando a inspiração quando ela chega. Eu simplesmente sinto a ideia chegando. E parece que meus dedos a transformam em textos sem nem passar pelo meu cérebro, em uma dança entre papel e coração.

AF: Quais são os seus projetos atuais de escrita? O que vem por aí?

JF: Tenho dois originais infantis já prontos: Ela Passou Rapidinho para Deixar um Beijinho, sobre perda gestacional, e Imagina, Nina, sobre imaginação.

--

--